quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Comendo Parrilla em Buenos Aires: “Cabaña Las Lilas” & “La Cabrera”

Eu tenho que concordar com Dolores Freixa e Guta Chaves quando, no livro “Gastronomia no Brasil e no mundo”, elas dizem que “a gastronomia é um inventário patrimonial tão importante culturalmente quanto os museus, as festas, as danças e os templos religiosos”, pois, ainda que eu visite todas as atrações turísticas de um local, se eu não comer algo típico da região, não considero que a minha viagem foi completa ou que eu conheci de verdade o lugar visitado.
A cidade de Buenos Aires oferece vários clássicos da culinária argentina, como a provoleta (fatia grossa de queijo provolone, temperada e assada na grelha, ficando macia e derretida por dentro e crocante por fora), o locro (ensopado à base de abóbora, feijão, milho e carne), a empanada (salgado no formato de um pastel de forno, que apresenta várias opções de recheio e é assado), o doce de leite, o sorvete, o alfajor e, claro, as parrillas.
Se tem uma coisa, fora o futebol, que orgulha e alegra os portenhos, isso se chama carne. Com cortes bem diferentes dos nossos, a parrilla (podemos dizer que equivale ao nosso churrasco?) é o mais famoso e querido prato argentino.
Em Buenos Aires, duas casas disputam a atenção dos turistas e, até mesmo, dos locais: “Cabaña Las Lilas” e “La Cabrera”. Você percebe isso ao pesquisar, em sites ou livros, onde comer uma boa parrilla.
O livro “1.000 lugares para conhecer antes de morrer”, da jornalista Patricia Schultz, indica o Cabaña Las Lilas como um dos 1.000 destinos imperdíveis. Diz a autora: “O lugar é o endereço preferido pelas autoridades quando se trata de apresentar algum VIP estrangeiro a essa especialidade nacional. Os novilhos argentinos são criados numa dieta de grãos livre de hormônios, o que resulta numa carne menos gordurosa e, portanto, com menos colesterol. Em matéria de qualidade não encontra rivais no hemisfério sul, talvez em nenhum outro lugar do mundo.”
Já no “Guia dos Guias – Restaurantes 2014”, Boninho e Ricardo Amaral optam pelo “La Cabrera”, indagando ao leitor: “Você vai à Argentina para que mesmo? Comer a melhor parrilla de sua vida, talvez? Bem, então vai ser difícil deixar de visitar este restaurante presente na seleção de dez em cada dez guias turísticos.”
Ao enumerar restaurantes que servem parrilla, o guia turístico “Top 10 Buenos Aires”, publicado no Brasil pela PubliFolha, faz menção aos dois templos da carne, que também estão listados entre os 5 estabelecimentos em solo argentino que valem a experiência, segundo o livro “1001 Restaurants you must experience before you die”.
Como não sou boba, fui conhecer as duas casas. Entretanto, como a briga é entre cachorros grandes, não vou tomar partido de nenhum dos lados, pois achei a qualidade e o preparo das carnes igualmente fantásticos em ambos. Aqui, conto para vocês como foram as minhas experiências e, caso queiram, sopesando um detalhezinho aqui e outro acolá, escolham a sua preferida.

CABAÑA LAS LILAS


A fama do Cabaña Las Lilas, inaugurado em 1995, não é à toa, pois a casa surgiu da união do grupo brasileiro Rubaiyat, reconhecido pelo seu padrão de excelência no preparado de carnes e atendimento ao público, com a empresa argentina Estancias e Cabaña Las Lilas S/A, especializada na criação de reprodutores. 
Localizado num armazém reformado na antiga região portuária de Puerto Madeiro, o estabelecimento é decorado com móveis de madeira escura e muito couro. O salão envidraçado proporciona ao comensal uma aconchegante vista do porto desativado, mas revitalizado. Quem preferir, poderá se sentar no amplo terraço ao ar livre. 


Nós fomos almoçar numa quinta-feira e não tínhamos reserva, mas foi tranquilo conseguir mesa para 6 pessoas.
Aos que quiserem agendar, é possível fazê-lo através do site do restaurante (www.restaurantlaslilas.com.ar), que redireciona o cliente ao site do Restorando, do telefone de número 00 54 11 4313-1336 ou do seguinte endereço eletrônico: restaurant@restlaslilas.com.ar.  
O Cabaña Las Lilas tem uma carta de vinhos premiada (Wine Spectator) e sua adega se exibe para os clientes logo na entrada. Mas... como não sou grande fã da bebida fermentada do sumo da uva, para beber, pedi uma caipirosca de morango que estava com o açúcar bem equilibrado e uma quantidade abundante da fruta vermelha.


De entradinha, ficamos apenas com o couvert, que rapidamente foi trazido à mesa e era formado por pães, presunto cru, salada caprese (tomates cerejas e bolinhas de mozzarella de búfala), berinjela, salmão grelhado ao pesto e um delicioso patê de gorgonzola (que me lembrou uma manteiga de gorgonzola que o Daniel preparou, num churrasco, para passarmos na carne saída da churrasqueira e, com o calor, ela se derreter... hummm... pensando nisso, agora, fiquei chateada de não ter passado o patê no meu ojo de bife).


Há várias opções de carnes no cardápio: bife de chorizo, medallón de lomo, baby beef, T-bone Steak, tapa de cuadril etc.
Escolhi um ojo de bife e, imaginando algo rosado no interior e bem selado por fora, pedi que ele viesse na fase entre ao ponto e bem-passado, puxando mais para bem-passado, pois não gosto de carne com sangue escorrendo. No final, achei que a parte menos espessa da carne ficou esturricada (muito seca).
Por isso, aqui vai uma dica para você acertar no ponto da carne: peça jugoso, se quiser malpassada; al punto, se desejar ao ponto; e cocido, se sua vontade for comer uma carne entre ao ponto e a bem-passada.


O Daniel (meu maridinho) pediu uma suculenta e macia costela de cordeiro (Costillitas de Cordero Patagônico). Estava tão gostosa, que minha vontade era trocar meu prato pelo dele e, ainda, roer todos os ossinhos até o talo (rsrsrs).


O prato de parrilla não traz acompanhamento, apenas a carne. É preciso pedir a guarnição à parte. Uma alternativa interessante é a papa soufflé (chips de batatas fritas insufladas... não sei como eles fazem isso, mas o chip se enche de ar e fica bem sequinho e crocante).


Para banhar a carne, eles oferecem o clássico molho argentino Chimichurri (mistura de azeite de oliva, vinagre, alho e especiarias), que você não pode deixar de provar, e o nosso conhecido vinagrete.


Depois de tamanha comilança, ninguém aguentou saborear uma sobremesa. Então, para finalizar, pedimos espressos e cappuccinos. Eu até tinha sugerido tomarmos um cafezinho no Café Tortoni, mas o olho gordo do Daniel (rsrsrs) viu, na mesa ao lado, os biscoitinhos que acompanhavam o café e quis tomar lá mesmo.


Como mimo da casa, os garçons levam à mesa duas garrafinhas com Limoncello e Grapa, para que os comensais bebam à vontade.


A comida como um todo é muito gostosa e bem executada, mas o atendimento, bem moroso, está longe de se equiparar aos padrões paulistanos. Por isso, vá sem pressa para não acabar se estressando com a demora. 

LA CABRERA
O La Cabrera, que figura na 22ª posição da lista dos 50 melhores restaurantes da América Latina da revista inglesa Restaurant, conta, hoje, com 4 unidades. Três estão localizadas na Rua José Antonio Cabrera (La Cabrera Sur, La Cabrera Norte e La Cabrera Boutique) e são praticamente vizinhas uma da outra (é um verdadeiro case de sucesso).
Através do site da casa (www.parrillalacabrera.com.ar), que me direcionou para o sítio Restorando, fiz uma reserva para o almoço do sábado. A minha ideia inicial era não fazer reservas para o almoço, para que não ficássemos presos ao horário e pudéssemos passear à vontade. Mas, como eu queria muito conhecer o restaurante e li que o mesmo é muito concorrido, formando-se grandes filas de espera nas 3 unidades da Rua Cabrera, acabei cedendo e agendando a visita, pois se tem uma coisa que eu odeio, essa coisa é esperar.
Quando efetuei a reserva pelo site Restorando, não optei por nenhuma das unidades, não havia essa opção. Imagino que o sistema seja “inteligente” e direcione o cliente para a casa que tenha vaga (sei lá qual é o critério adotado). A confirmação chegou ao meu e-mail e trazia o endereço para onde eu deveria me dirigir. Entretanto, quando o taxista foi nos deixar no endereço fornecido pelo Restarando, percebemos que o mesmo estava com a numeração errada (o certo era 5099 e o site informou 5197). Por sorte, não perdemos a reserva, pois eles seguram por 15 minutos e nós já estávamos no limite desse tempo.
Eu até mostrei o e-mail recebido para a hostess, para que ela pudesse informar ao site de reservas e não confundir outros clientes, mas não achei que ela deu muita importância para isso... paciência!
O estabelecimento tem uma decoração bem descolada e colorida, inclusive com mesas na calçada, ao ar livre.
De entrada, ficamos com o couvert (composto por pães, patê de foie gras, manteiga e vinagre) e provamos a provoleta, acompanhada de jamón crudo (presunto cru) e tomate seco, que se revelou uma boa pedida.



O grelhado escolhido foi o “Lomo com marinada de verduras”. 600g de um macio e suculento filé mignon, acompanhado de mini porções de fava, risoto al dente e verduras marinadas.


Para acompanhar o lomo, pedimos uma porção de batatas fritas roliças com confit de cebola caramelizada, que com uma pitadinha de sal ficou deliciosa.


Aqui, preciso ressaltar que nem precisaríamos ter pedido as batatas, pois o diferencial do La Cabrera é justamente a alucinante quantidade de guarnições que são deixadas na mesa em pequenas porções.
Foram tantos bowls trazidos à mesa, que mal consegui tirar fotos para mostrar para vocês. Dentre as guarnições oferecidas, haviam muitos purês (de maçã, de batata com gorgonzola, de cenoura e de abacate), berinjela picada, ceboletes agridoce, mini espigas de milho etc. Todavia, os acompanhamentos servidos se destacam mais pela variedade oferecida do que propriamente pelo sabor que apresentam, que é bom, mas nada de excepcional.
Uma coisa negativa foi o fato de não trazem colheres para que os comensais se sirvam dos acompanhamentos, fazendo com que cada um enfiasse seu garfo nas cumbucas.





O crème brûlée de sobremesa decepcionou. O creme estava em temperatura ambiente, o que é muito bom, pois não gosto quando eles servem gelado. No entanto, não tinha gosto algum, parecia um creme simplesmente feito com leite, uma gota imperceptível de essência de baunilha, uma colherzinha de açúcar e maizena. O ponto positivo ficou com o açúcar maçaricado, crocante e na quantidade certa, cobrindo toda a porção.
Em Buenos Aires, eles põem um pouco de geleia para finalizar a decoração do crème brûlée. Falo isso porque comi em dois lugares e, nos dois, a apresentação foi a mesma. Será que a geleia serve para dar um sabor ao creme sem gosto? Pode ser...


Na hora da dolorosa, o mimo da casa ficou por conta de uma torre cheia de pirulitos, que foi deixada na mesa para que nos servimos à vontade.        


Achei o atendimento melhor do que o do Cabaña Las Lilas, mas, ainda assim, não se pode dizer que seja impecável.

CONCLUSÃO
No quesito carne, embora o Cabaña Las Lilas tenha uns cortes mais nobres, as duas casas oferecem uma boa variedade. As carnes, que exalam qualidade, frescor e suculência, são fielmente executadas conforme o gosto do cliente.
O Cabaña Las Lilas tem uma decoração e um ar mais sofisticados, o que acarreta, consequentemente, em preços mais elevados. O La Cabrera tem uma decoração mais despoja e regionalista.
Apesar de ter visto mais garçons circulando pelo Cabaña Las Lilas, eu diria que o atendimento é médio nos dois restaurantes. Que fique claro que minha análise está tomando por base o nível de serviço oferecido na capital paulista. Eu sou de Maceió e sei que lá e em outros lugares do Brasil o nível de excelência não é o mesmo. E isso não significa que seja ruim, mas é que, em São Paulo, a rotatividade nos restaurantes é tão grande, que gera um atendimento muito rápido e a gente acaba se acostumando a isso.  
Ambas mimam o cliente. O Cabaña Las Lilas com o Limoncello e a Grapa. O La Cabrera com a torre de pirulitos. O que confirma minha tese de sofisticação do primeiro e despojamento do segundo.
O ponto alto do Cabaña Las Lilas é a localização e do La Cabrera, com certeza, a quantidade de guarnições.
Enfim... aos que pretendem conhecer apenas uma das casas, seja por que motivo for (tempo, grana etc.), espero não tê-los deixados mais embaraçados ainda na escolha do restaurante.
Na minha humilde opinião... tá na Argentina? Coma muitaaa parrilla e, se puder, vá aos dois, que são restaurantes tradicionais, confortáveis, com excelente carta de vinhos e, principalmente, sem aquele ar de “pega turista”.  

Informações:
CABAÑA LAS LILAS
Endereço: Alicia Moreau de Justo 516 – Puerto Madero
Fone: 00 54 11 4313-1336
Site: www.restaurantlaslilas.com.ar

LA CABRERA
Endereço: José Antonio Cabrera 5099 - Palermo
Fone: +54 11 4831-7002
Site: www.parrillalacabrera.com.ar

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